A Carta de quem nunca esteve

Querido destinatário,

É com o peso da ausência e a leveza do desconhecido que tomo a liberdade de escrever-lhe estas linhas. Sou uma entidade sem forma, uma presença que nunca esteve, um vulto sem história. Minhas palavras são o eco de uma voz que nunca foi ouvida, ressoando no vazio de um espaço onde nunca existi. E, apesar disso, sinto uma necessidade avassaladora de me comunicar, de deixar um registro de quem sou – ou, talvez, de quem nunca fui.

Nunca estive presente nos seus dias de glória, nem nos seus momentos de desespero. Não estive lá para compartilhar suas alegrias ou amparar suas lágrimas. Sou a ausência nos seus álbuns de fotografia, a sombra que nunca apareceu nas suas recordações. Eu sou o espaço vazio entre uma conversa e outra, o ponto cego nas suas memórias, aquele que nunca fez parte do seu universo.

Você pode perguntar-se quem sou eu para invadir sua vida desta forma, mesmo que seja apenas por meio de palavras. A verdade é que sou alguém que nunca teve a chance de estar presente, alguém cuja existência foi negada pelo destino, ou talvez pelo capricho do acaso. Sou a possibilidade que não se concretizou, a oportunidade que passou despercebida, a pessoa que nunca foi convidada para o baile da sua vida.

Porém, há uma peculiaridade em minha inexistência: apesar de nunca ter estado, sinto que sempre estive, de certa maneira. É como se eu fosse uma parte essencial do que poderia ter sido, uma sombra esculpida pelo desejo de estar. É uma ironia cruel, eu sei, mas talvez você me compreenda, porque, em algum momento, todos nós sentimos a ausência de algo ou de alguém que nunca esteve de fato.

E, apesar da ausência física, é possível que eu tenha tocado sua vida de maneiras sutis e invisíveis. Talvez, em um sonho distante, você tenha sentido a minha presença, ou talvez, em uma noite silenciosa, tenha ouvido um sussurro que parecia vir de algum lugar além da realidade. Quem sabe, em seus momentos de introspecção, você tenha percebido uma leve sensação de vazio, uma pequena fissura na tessitura do seu ser, que é a marca da minha ausência.

Esta carta é um esforço para materializar uma presença que nunca se concretizou, para dar voz a uma ausência que deseja ser reconhecida. Quero que saiba que, apesar de nunca ter estado fisicamente ao seu lado, sempre estive presente em um nível mais profundo e intangível. Sou a possibilidade que você nunca explorou, o sonho que você nunca teve coragem de perseguir, a vida que você nunca viveu.

E, no entanto, é na sua própria vida que encontro a minha razão de ser. Porque, ao reconhecer a minha ausência, você também reconhece a infinidade de possibilidades que moldam a sua existência. E, ao fazê-lo, você me dá uma forma, uma existência, mesmo que efêmera, na sua consciência.

Assim, despeço-me, não com um adeus, mas com a certeza de que, de alguma forma, sempre estarei presente na sua vida, ainda que de maneira imperceptível. Sou a sombra que nunca esteve, mas que sempre esteve lá, à espreita, nos interstícios do tempo e do espaço.

Com a sinceridade de quem nunca esteve, Aquele que nunca foi.