*Essa é uma obra de ficção
Sua mãe entrou no quarto e ela estava deitada. Chamou-a para perto e quando Adélia veio lhe deu um tapa no rosto. A senhora caiu no chão e viu a filha começar a falar numa língua estranha, pareciam grunhidos, uma voz forte, depois alguns assobios e uma baba que escorria de sua boca como se fosse num filme. Eram 23h45 de terça-feira, 14 de fevereiro.
A mãe se levantou, escorou no guarda-roupa e tentou se refazer da porrada que havia levado. Sentia a mão pesada da filha no rosto e ficou com a sensação de uma queimadura na face esquerda.
Gritou para ela parar: “O que é isso minha filha? Um surto?”
Adélia não sabia como olhar para a Adriana de um jeito que não fosse com medo. A filha tinha o olhar vermelho. Seus cabelos negros estavam desarrumados e ela usava uma blusa velha para dormir. Adriana se levantou da cama e correu em direção à mãe, mas parou no meio do caminho e começou a esbravejar: “Ninguém entra no meu quarto sem a minha autorização, esse é o meu templo, minha morada!”
Os grunhidos continuavam e Adriana que era esguia, estava toda torta como se estivesse com um fardo em cima das costas. A mãe desesperada via a filha vindo em sua direção e não sabia bem o que fazer. Adriana lentamente foi se aproximando e Adélia num rompante de coragem resolver pegar em seu braço, mas essa foi uma tentativa infeliz.
Adriana tinha força descomunal e deu uma puxada na mãe que a jogou novamente no chão, mas desta vez perto da porta do quarto. Adélia correu e tentou sair, mas sua mão estava tão suada que ela não conseguia rodar a maçaneta, aquelas redondinhas, e o desespero foi subindo quando a jovem, aparentemente num estado mental fora de si ou possuída por algum espírito maligno a ameaçou mais uma vez. “Eu vou matar você! Se não sair do meu lugar, se não sair do meu templo!”
Por fim, Adélia abriu a porta e saiu. Não teve titubeio e a trancou novamente dessa vez com a chave que estava para o lado de fora. Ela suava em bicas, escorria pelo chão e ainda por cima tinha muito medo daquilo que viu em sua casa. Recordava dos causos que seu tio Antonio contava no sítio quando criança sobre possessões que ele teria visto. Num deles, Antonio disse que um espírito se apossou de um menino de 11 anos e que o mesmo matou sua própria família e depois se jogou de um precipício numa fazenda vizinha. Acontece que as histórias de Antonio sempre eram em propriedades de outras pessoas, nunca naquela fazenda, o que sempre lhe deixava um ar de lenda para aquilo havia sido contado.
Adélia lembrou do tio por uma fração de segundo, mas novamente sentiu a força da filha lhe dando murros na porta e gritando: “Abra, abra, vou sair pelo Castelo Branco para reivindicar o meu reinado, a minha alma foi liberta nesta noite!”
Adriana batia com tanta força na porta que as coisas que estavam na estante ao lado até balançava junto. Adélia não tinha marido, era viúva, vivia com a filha que fazia faculdade à noite e durante o dia trabalhava numa empresa de São Carlos como tantas outras pessoas comuns desse Brasil.
A mãe sabia que não poderia ficar ali segurando a porta por mais tempo, entretanto sentiu o “aço” da pancada quando Adriana obteve o que queria. Num solavanco fortíssimo arrebentou a porta e conseguiu sair na copa da casa. De súbito, como se tivesse poderes paranormais jogou todas as louças que estavam em cima da mesa no chão e deixou sua mãe que se encontrava acuada num canto do cômodo completamente assustada com o que estava vendo. Adriana balançou a cabeça e as portas do armários começaram a se bater como se fosse num filme, a eletricidade da casa acabou e um clima pesado ficou no ar.
Adélia permanecia no chão em meio àquela barulheira toda e sua mãe ouvia a vizinha perguntando pelo muro: “Adélia está tudo bem? O que está acontecendo?!”
Sem saber o que dizer, ela simplesmente gritou: “Joana, não sei o que a Adriana tem, parece que uma coisa ruim tomou conta dela, ela quebrou tudo aqui dentro de casa, está toda torta, machucada, cortada, não sei bem o que fazer!”
Joana ouviu aquilo e ficou atônita, a vizinha que era “pau para toda a obra” tinha uma amizade profunda com as duas e sabia que Adriana nem bebia, por isso a situação a deixava ainda mais angustiada. Para piorar as coisas, um vendaval chegou e uma chuva forte começava a ameaçar no horizonte.
Sem saber se poderia ajudar, Joana resolveu ligar para a polícia e contou a situação, disse que pensava que a menina havia surtado e que era preciso dominá-la de alguma forma. Ainda dentro da casa, Adriana começou a andar lentamente da porta do quarto até o canto onde estava sua mãe, Adélia resolveu levantar e invadiu a sala, virou uma estante cheia de objetos e formou uma espécie de barricada, mas Adriana nem ligava vinha em sua direção como se fosse atravessar aquilo sem nenhum problema.
Para tentar impor um pouco mais de dificuldade à filha, Adélia ainda virou um sofá e correu para a porta da sala, mas antes notou que a chave que estava na estante havia caído entre o sofá e louças quebradas. Corajosa, ela foi em busca da chave, a tomou em suas mãos, mas levou um pontapé de Adriana que não parava de repetir. “Aqui é minha casa, suma daqui! Você não devia estar aqui, Adriana não existe mais!”
Ela conseguiu abrir a porta ao mesmo tempo que seu coração sangrava ao ver sua filha cortada, toda sem postura, com roupas rasgadas, cabelo bagunçado, olhos esquisitos e babando com aquele olhar demoníaco como se ninguém deste mundo prestasse. A ideia de Adélia era correr para a rua e chamar ajuda, algum acompanhamento médico e sedar Adriana. Nunca passou por sua cabeça que aquela cena pudesse ser algo sobrenatural, mas sim um problema mental.
Quando conseguiu sair encontrou Joana, a vizinha atrevida havia entrado na casa e estava na área pronta para invadir o recinto. Ela tomou Adélia em seus braços, passou uma toalha no rosto da amiga e duas foram observar Adriana pela porta da sala.
Estranhamente, ela continuava na casa, andando naquele cômodo e falando em línguas esquisitas. Tudo ficou ainda pior quando as duas viram que a jovem tomou uma caixa de fósforo em suas mãos e estava propensa a atear fogo naquele lugar.
As duas então resolveram entrar no recinto. Foram para cima de Adriana e tentaram segurá-la, mas sua força era poderosa e elas foram arremessadas para o chão. Não desistiram e tentaram novamente, a resposta da possuída foi mais um empurrão.
Até a dupla se refazer, Adriana acendeu os fósforos e começou o fogo no sofá que estava virado, a fumaça foi tomando conta de tudo. Nesse intervalo, a polícia, bombeiros e equipes de resgate chegaram.
Os bombeiros invadiram a casa, resgataram as duas senhoras, mas para dominar Adriana foram necessários pelo menos seis militares. Assim que foi amarrada na maca acabou sedada para poder dar sossego e ser levada para o hospital. Ela machucou dois bombeiros.
“Adriana era calma, uma menina de ouro, eu não sei o que houve!”, contou à mãe vendo sua casa ser destruída pelo fogo para os policiais que a interrogavam sobre o assunto.
Os bombeiros conseguiram controlar o incêndio e Adélia depois de atendida no hospital passou à noite na casa de Joana, já que seus parentes eram de Vargem Grande do Sul.
No outro dia pela manhã, o telefone tocou cedo. Era do hospital, Adélia correu para a unidade e o médico lhe contou que Adriana ainda estava sedada, mas que aparentemente havia ocorrido um surto psicótico grave com a filha.
Depois de algumas horas, Adriana acordou. Falava baixo, pausadamente, mas disse à mãe que não se lembrava de nada. Adélia inicialmente não contou o que houve para a filha, mas disse que ela precisaria passar por um tratamento psiquiátrico.
Duas semanas depois quando começou a reconstruir sua casa, ela ouviu de Sebastião, um dos moradores mais antigos do Castelo Branco que onde estava sua residência houve uma parada de viajantes há muito tempo atrás e que por ali um homem havia sido assassinado depois de uma disputa por jogo.
Adélia decidiu que investigaria o assunto, mas que não mudaria de casa. O Castelo Branco continua fervendo….
Renato Chimirri