Coluna Alternativa A: A arte é o elixir da vida eterna

Dorian Gray e a busca pela eterna juventude

Sejam nos filmes, livros de ficção, nas religiões ou na medicina, algo que o ser humano tem buscado há tempos é a eternidade. Pode ser com a busca do Santo Graal, do elixir da vida eterna ou da fonte da juventude, nas ajudas nem tão altruístas ao próximo para conseguir um lugar no céu, ou nas histórias de vampiros, todos nós queremos mais tempo.

A ideia de ter tempo infinito, de perpetuar-se belo como um Dorian Gray ou o vampiro Lestat na literatura faz com que busquemos alternativas das mais esdrúxulas no intento de viver para sempre. Na medicina, proliferam-se os medicamentos que supostamente trazem saúde e prolongam a vida: de colágeno às cirurgias plásticas que por vezes desconfiguram rostos e peles, dos peelings às harmonizações faciais que criam outras pessoas, dos cremes aos produtos de embelezamento, todos buscamos juventude e prolongamento da vida.

Certa vez ouvi o filósofo Mário Sergio Cortella responder à pergunta de uma jornalista que o questionava sobre o que ele esperava do futuro. Cortela foi taxativo: quero ser lembrado. De fato, a maioria das pessoas que passa pela Terra tem uma vida média de sessenta, setenta ou oitenta anos e, depois, quando morre, simplesmente é esquecida. Que condição humana horrenda, criamos nós para vivermos por décadas ao lado de outras pessoas e não sermos capazes de deixar qualquer tipo de semente ou lembrança maior do que uma memória ou outra por alguns anos e em um número pequeno de pessoas?

É verdade que alguns conseguiram se eternizar por grandes feitos e até hoje têm seus nomes recordados de geração em geração. Às vezes, por atos ou situações fortuitas, por narrativas selecionadas pela história, mas nomes de grandes guerreiros e conquistadores como Gengis Khan ou Alexandre, o Grande, chefes de estado como Lincoln ou Churchill ou grandes cientistas como Newton e Einstein conseguiram superar a barreira do tempo e permanecerem entre os vivos até o momento, mesmo tendo vivido e morrido décadas ou séculos atrás.

Contudo, ainda que excetue o progresso gerado pelas descobertas científicas ou feitos políticos nenhum desses nomes consegue ainda hoje dialogar e emocionar como aqueles que no passado se propuseram a produzir arte. Quando paramos defronte ao quadro Noite Estrelada, de Van Gogh, estamos conversando com um morto. Ao apreciar a obra hoje em dia, conversamos com o  pintor holandês e ele nos faz sentir exatamente as sensações e emoções pelas quais passou ao pintar o quadro em 1889 ao olhar para o céu de Saint-Rémy-de-Provence da janela de seu quarto no hospital psiquiátrico em que estava internado.

Ao observarmos a grandeza do Guernica, de Picasso, sentimos nossa carne queimar pelos preconceitos, violências, armas e bombas nazistas e ouvimos a voz do artista gritar aos soldados alemães: não fui eu que fiz esta obra, foram vocês.

Ao ouvirmos uma canção dos Mutantes na voz da Rita Lee, somos arremessados em direção aos anos de chumbo brasileiros, gritando Fala quando as agressões da ditadura bradavam Cálice, sem saber que o vinho tinto nele contido era sangue de gente que lutava por liberdade.

Ler Camões é voltar no tempo e observar a criação do idioma que falamos hoje. Observar estupefatos a genialidade de Michelangelo expressa em seu David é olhar nos olhos do artista italiano e agradecer pela emoção sentida em uma conversa que começou no século XVI e continua até agora.

Assim nos perpetuamos. Através da arte. A arte nos perpetua enquanto seres, enquanto vozes, enquanto ideias. A arte faz com que sejamos eternos nas curvas de uma obra de Oscar Niemeyer, de em um afresco do Da Vinci ou de uma das composições do Beethoven. É através da inutilidade artística que nos humanizamos a ponto de sermos finalmente capazes de perdurar nossas vozes, alegrias, tristezas, angústias, dramas e histórias. O elixir da vida eterna nos está dado nos museus do mundo afora, nas galerias de arte, nos livros, nas telas do cinema ou no Spotify. Resta a nós, sermos capazes de abrir olhos e ouvidos e ter a coragem de conversar com os mortos, por vezes ouvindo, por outras falando através de composições que nos eternizarão para conversarmos com os vivos do futuro.

Por Glauco Keller