Coluna Alternativa A: Imagem não é nada?

Por Glauco Keller Villas Boas

O prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, no brilhante “A Civilização do Espetáculo” afirma que a sociedade atual, aculturada por uma globalização que a assemelha, opta pela comunicação imagética em detrimento da palavra. A obra, constituída de ensaios dos anos 90 e início dos anos 2000 não poderia ser mais atual. Ainda sem contar com as redes sociais como objeto de análise e estudo, Vargas Llosa antecipa os emojis, memes e figurinhas que substituem os textos na tentativa de rapidez. Voltamos à idade da pedra. Não escrevemos e consequentemente não lemos.

O professor Marcelo Spalding, criador do primeiro Curso de escrita criativa do país, destaca que há uma diferença entre a capacidade linguísticae acapacidade de expressão. Segundo ele, “a capacidade de expressão é aquela que nos permite narrar fatos, defender ideias, descrever situações, falar com nossos amigos, falar em público, falar ao telefone etc. Em suma, participar da vida social, comunicar-se, defender ideias.”

Ainda segundo Spalding, “A capacidade linguística é o conhecimento da estrutura de um idioma em especial, sua ortografia (que é apenas um dos itens do idioma), sua estrutura, seu léxico”. Aqui ainda temos a capacidade de interpretação, que exige capacidade linguística, mas também certo conhecimento de mundo. A linguagem imagética em que vivemos hoje, e que foi prevista por Vargas Llosa, pode nos restringir comunicativamente nos dois casos, caso não saibamos ter equilíbrio entre a linguagem verbal e a não-verbal. A professora Mirlene Simões, socióloga e vice-presidente do Instituto Mário de Andrade acredita que as duas formas de comunicação podem e devem conviver, contanto que saibamos balancear seus usos e os locais de seus usos.

Sendo a capacidade de produzir fala articulada e, consequentemente, a de produzir escrita e cultura, aquilo que nos humaniza, perdê-la significa descontruir conceitos históricos como a percepção daquilo que é arte ou artístico e que, por fazer parte da cultura, nos humaniza através da geração de emoção ou da alteração de estado de espírito.

Nesse contexto, a arte tal qual conhecemos pode, em poucos anos, ser mero objeto de estudos arqueológicos e, de fato, tornar-se, apenas, peça de museu. Dentre essas, o teatro e a pintura vêm sendo substituídos pelo cinema, ironicamente, a sétima arte. Uma nova arte que, ironicamente, faz uso daquilo que as civilizações atuais mais apreciam, a imagem.

A pintura, por exemplo, adquiriu historicamente o conceito de arte por si só, apenas após o final de Idade Média, em especial, após o Renascimento artístico. Até, então, pintura era um mero adereço da escultura, não se notabilizando os pintores como artistas por essa prática. Os famosos afrescos de Florença ou de Pompeia, na Itália, eram adornos que visavam destacar as esculturas das casas, sendo simplesmente uma modalidade de pintura em parede que, em nenhum momento era reconhecido como arte. Assim, se buscarmos pinturas na Grécia ou na Roma Antigas não as encontraremos, a menos que essas estivessem diretamente ligadas a outras ramificações artísticas.

Após os Renascentistas, em especial, a pintura evidenciou-se na Europa e de lá para o Novo Mundo, adquirindo status de arte e atribuindo status de artistas para seus praticantes. Nestes breves quinhentos anos de história, a evolução da pintura passou por estilos que foram do Barroco ao Expressionismo alemão. Como ramificação artística, a pintura sempre foi a arte capaz de captar a realidade, sob a perspectiva do olhar do pintor e do período artístico, e eternizá-la. Os rostos de reis, rainhas, paisagens e até alguma natureza morta só puderam ser conhecidos pela gente de nossa época por conta da habilidade e visão dos grandes pintores dos últimos quinhentos anos.

No final do século XIX, contudo, já sob a perspectiva das evoluções científicas oriundas dos iluministas franceses, surge a fotografia que, sem tomar conhecimento histórico da pintura, a arremessa para um provável esquecimento, afinal, agora era possível captar a realidade mais rapidamente e com maior qualidade do que através dos pinceis e eventuais equívocos de um artista. Quanto tempo mais sobreviveria a pintura com status de arte?

A resposta para a questão seria dada com a publicação da obra A Interpretação dos sonhos, em 1900, pelo médico austríaco Sigmund Freud. A disseminação da Psicanálise na Europa dava aos pintores a chance de postergar a morte da pintura enquanto arte, pois a fotografia era capaz de captar a realidade, mas não aquilo que era irreal. Pintavam-se, agora, o sonho e a imaginação. Surgia, assim, o conceito de arte abstrata numa tentativa de apresentar às pessoas a possibilidade de enxergar e vivenciar aquilo que não era real e, acima de tudo, de personalizar a compreensão daquilo que se estava vendo, como ao olhar para uma nuvem que se podia ver um urso, um pescador ou uma árvore, a depender de quem a estava olhando.

Neste modelo de abstração, os Surrealistas com Salvador Dali, Juan Miró ou Max Ernst nos brindaram com tigres voadores, elefantes de pernas quilométricas e relógios moles e os Cubistas, com Picasso e Braque mesclaram as características da pintura europeia com a arte africana e mostraram as pessoas uma nova forma de enxergar. A pintura ganhava fôlego por mais alguns anos.

Com o surgimento do cinema no final do século XIX e a percepção do homem de que era possível não só captar a realidade paralisada, mas em movimento, e sua evolução exponencial durante o século XX, a pintura e, neste caso também o teatro, viu-se, novamente, sob ameaça, o que fez com que grandes artistas plásticos migrassem para o cinema numa tentativa de adaptar suas práticas artísticas para a sétima arte.

Ainda assim, na primeira metade do século XX, o cinema viu-se refém da possibilidade de captação de imagens da realidade, fato que ainda permitiu que a pintura se desenvolvesse enquanto atividade artística, afinal, a irrealidade e a abstração lhe pertenciam.

Contudo, as tecnologias têm, historicamente, evoluído mais rapidamente do que a capacidade do ser humano se adaptar a elas e, a corrida espacial e o desenvolvimento tecnológico gerados pela Guerra Fria fizeram com que o cinema pudesse narrar em imagens aquilo que não era real através dos Visual Effects ou os efeitos especiais. Dinossauros, batalhas interestelares, robôs, monstros, gnomos e seres fantásticos passaram a atrair os olhares das pessoas e a nos fazer esquecer o teatro e a pintura como artes, afinal, em especial a última trazia consigo a monotonia da imagem parada.

Nesse contexto, a literatura parece ser a arte mais resistente e capaz de adequar-se às novas tecnologias. Talvez por sua densa história que remonta Homero, o texto escrito, humanizador, até agora se mostrou capaz de superar a imagem parada ou em movimento e fincar-se como atividade artística da palavra. Até agora, pois, hoje em dia, com os celulares em mãos, os aplicativos de edição e os filtros, qualquer pessoa é capaz de criar imagens irreais contanto que tenha interesse, ainda que se abstenha de criatividade ou prática.

A ironia deste processo é que a evolução tecnológica exponencial – sendo redundante – advém da produção cultural humana que, em diversas épocas foi mais influenciada pela religião, pelas artes ou pela ciência e que, como percebeu Charles Darwin ainda no século XIX, é produto de um evolucionismo biológico de milhões de anos que gerou uma criatura capaz de alterar a própria evolução. O homem a partir de agora irá para onde quiser e, no caso das comunicações, pode fazer uso de um conceito biológico característico dos seres vivos para sobreviver, a economia de energia e, então, voltar a sua evolução para seus primórdios, trocando o dispêndio de calorias e movimentos gastos na construção de um texto, por uma imagem, meme, emoji ou figurinha. A pintura e o teatro já olham para trás, são história, coisa de museu, embora haja ainda poucos nichos de resistência, resta saber agora se a evolução do ser humano irá também matar aquilo que foi seu grande criador, a escrita.