Coluna Alternativa A: O que o olho não vê a história conta

Maradona no Boca

Por Glauco Keller Villas Boas

A morte de Diego Maradona foi significativa para mim. Pessoalmente falando, tinha 11 anos em 1986 e fiquei encantado com a Copa do Mundo. O que Diego fez dentro de campo era algo inimaginável para uma criança.

Depois, já na adolescência, comecei a acompanhar o campeonato Italiano e ver seus feitos no Napoli ao lado do brasileiro Careca, narrados pelo Silvio Luiz e comentados pelo Silvio Lancellotti.

Um pouco mais tarde, comecei a entender que o que me inspirava em Maradona ia além dos seus lances dentro de campo. Maradona era latino-americano, era passional, era humano, raivoso, tinha os cabelos longos e não se curvava frente aos zagueiros que queriam pará-lo. Não era colonizável. Foi à forra pela Guerra das Malvinas em 1986. Era político. Inspirava. Errava e acertava, mas não tinha embalagens como a maioria dos craques hoje em dia.

Infelizmente, os nossos jovens hoje têm heróis plastificados sobre os quais nada sabemos. Não conseguimos ainda olhar para o Neymar ou o CR7 e saber, de fato, o que pensam de política, da desigualdade social ou do aquecimento global. Qual seria a palavra de Neymar sobre a período ditatorial brasileiro? O que o Cristiano Ronaldo pensa do Salazarismo? Não sabemos. Que livros leu o Gabriel Jesus? Qual o filme favorito do Messi? Não temos ideia. Sobre Maradona tínhamos. É por essa razão que Maradona é considerado maior do que Pelé para os Argentinos. Pelé não inspirou a paixão e o amor em seus “súditos” como Diego fez com seus “seguidores”. A tragédia estampada na alma de Maradona o aproximou de seu povo e o tornou mítico. Pelé, contudo, sempre se isentou de polêmicas e discussões que o Brasil precisava ter, tais como democracia ou racismo. Dentro de campo, creio, embora não tenha visto Pelé jogar, não há comparação com Maradona ou com nenhum outro jogador. Mas, como disse um taxista ao jornalista brasileiro “Messi é o que gostaríamos de ser, Maradona é o que somos”. A humanidade de Maradona o mitificou. Falcão, ex-jogador brasileiro, craque e ídolo da Roma – ITA, descreve Maradona como uma semi-deus. “Dentro de campo, um Deus. Fora um ser humano”.

Mas, de todas, talvez a frase que mais tenha marcado a vida do ídolo foi aquela que Pepe Guardiola reproduziu esta semana quando perguntado sobre o craque. O treinador afirmou que viu, em Nápoles, certa vez, uma torcedora exibindo orgulhosamente os dizeres “Maradona, não importa o que você fez com a sua vida, o que realmente importa é o que você fez com as nossas”.

Em 2014, publiquei em minha coluna Palavra, no Jornal Primeira Página, uma história pouco conhecida sobre Don Diego e que as câmeras não flagraram. Para os curiosos, segue o texto novamente.

Essa semana, meu filho, de oito anos de idade, chegou em casa eufórico após o treino de futebol. “Pai, fiz o maior golaço. Driblei um, toquei, chutei, a bola foi no ângulo. Pena que ninguém filmou!”

Imediatamente, me lembrei de uma história sobre um dos meus ídolos da infância: Don Diego Armando Maradona. Contei para ele e agora conto para vocês.

 O futebol vem, ao longo dos anos, encantando multidões de fãs no mundo todo. Um certo charme, ou talvez, um certo conceito de charme envolve o público e o difere de outros esportes. Tal charme, que cativa e emociona, de tão intenso, às vezes, parece inacreditável. Não fossem as câmeras e os testemunhos de jornalistas e aficionados pelo esporte, muitas de suas belas histórias que, se passando dentro ou fora de campo, ajudaram a construir a mística do charme a que me refiro, teriam se perdido. Histórias de copas do mundo, de campeonatos nacionais e estaduais, de amistosos e de treinamentos. Todas têm o seu encanto e são relatadas por jornalistas atrás do gol, ao lado dos campos, em concentrações e vestiários. Mas e aquilo que não é sabido, digo, e quando a câmera teima em não estar presente e o testemunho dos aficionados está distante? Como recuperar este tesouro que é mais uma parte do charme?

Louvemos a sorte, a lenda, o boato ou mesmo a fofoca.

Vendo o Lionel Messi, me dá cá uma ponta de inveja e, não tenham dúvida, de medo. E na torcida para que ele não brilhe na Copa do mês que vem – ou sei lá que brilhe para o bem do futebol – e, para o golaço do meu filho, vai a história do “Don Diego”.

Ela data da Copa de 1986 da concentração da seleção Argentina que estava no auge daquilo que se convenciona chamar de “bom futebol”. Um Maradona irresistível, Valdano e Burrochaga jogando um belo futebol e o mundo encantado. O clima não poderia ser melhor. Sorrisos e brincadeiras no quartel-general Argentino, no México. Surge, no entanto, a vontade de uma noite livre para os jogadores que, em pequenos grupos, discutem a possibilidade da saída da concentração. Porém, o consentimento do então treinador Carlos Billardo parecia distante. Na hora do jantar, enquanto o comandante da esquadra argentina se preparava para descascar uma laranja, veio a pergunta:

“El equipo está bien, El clima mejor. Podemos salir solo por esta noche?”

Inquirido, encurralado e batido por argumentos, o treinador arremessou a laranja que segurava nas mãos, em direção de Maradona, dizendo:

Haces cien!

Se Maradona fizesse cem embaixadas com a laranja todos sairiam.

O que se viu a seguir ainda me deixa em dúvida. Será que a ausência da câmera foi benéfica ou nociva para história futebolística? Por um lado, segundo os presentes, um dos maiores momentos do futebol mundial não ocorrera dentro das quatro linhas. Diz-se que o que Maradona aprontou com a laranja foi algo indescritível, produzindo malabarismos que proporcionaram um verdadeiro espetáculo para os que lá estavam. A habilidade e molecagem por ele demonstrada são lembradas até hoje. Ao terminar, Diego Armando Maradona retornou a laranja ao treinador em um centésimo sem-pulo. Todos saíram para curtir a noite e o fato ficaria conhecido como “a laranja argentina”. Alguns dizem que o título de 86 foi mais importante. Não quem esteve no restaurante da concentração naquela noite. O Murilo me disse que ainda fica com o gol dele no treino!

  • O autor é professor e apresenta os Programas Alternativa A e Onda Esportiva.

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