Embrapa: Tecnologia social amplia papel em projetos ambientais de olho em novos modelos de gestão rural

Fossa no assentamento Santa Helena em São Carlos

Ao longo de duas décadas de benefícios gerados a mais de 57 mil pessoas, de Norte a Sul do país, a Fossa Séptica Biodigestora (FSB) vem emergindo e se consolidando como uma alternativa sustentável a integrar ações de desenvolvimento, valorização e preservação de recursos naturais. Impulsionada por essa nova dinâmica, deverá focar numa gestão ambiental, que considere a necessidade e peculiaridades de cada região, para continuar avançando em todos os territórios rurais nos próximos anos.

 “Com o trabalho da Fossa Séptica Biodigestora bem estruturado, em diferentes aspectos, o desafio de agora é olhar os modelos de gestão e transformá-los em ação nos diferentes municípios do Brasil. Esse será o novo grande salto da tecnologia. A criação de modelos de gestão para o rural deverá ser pensado seguindo as peculiaridades de cada região”, diz o pesquisador da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), Wilson Tadeu Lopes da Silva, à frente dos trabalhos.

 A convergência da tecnologia – destinada ao tratamento do esgoto doméstico em área rural – com programas ambientais vem avançando nos últimos anos e contribuindo para transformar a paisagem do Brasil rural. Em muitos municípios, o sistema tem sido incorporado em programas de universalização do saneamento básico rural e adotadas em áreas de proteção e recuperação de mananciais Brasil afora.

A iniciativa mais recente vem de Limeira, município localizado no Centro-Leste do estado de São Paulo, onde está sendo implementado o projeto “Águas Claras”, apoiado pela Agência Nacional de Águas (ANA) com repasse de R$ 800 mil e contrapartida de R$ 80 mil do município.

O projeto combina a instalação de 27 unidades da Fossa Séptica Biodigestora até o final de julho, seis já em operação, com o plantio de 28 mil árvores em 13 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no Bairro dos Frades. A ação visa proteger o Ribeirão Tabajara, um dos principais afluentes da bacia hidrográfica do Ribeirão Pinhal, responsável por parte do abastecimento de água da cidade.

“Esta é uma ação voltada para a preservação do meio ambiente. A medida tem como finalidade garantir a qualidade desse importante manancial do município”, diz o prefeito Mario Botion.

As implicações sobre os modos de uso e de apropriação dos recursos naturais levaram também o município de Campinas (SP) a adotar a Fossa Séptica Biodigestora no Programa de Saneamento Rural Sustentável com instalação em área de Proteção e Recuperação de Mananciais Superficiais.

As primeiras unidades começaram a ser instaladas em meados de 2017. São 134 já implementadas até o momento no município, com grandes possibilidades de novas instalações na pós-pandemia do novo coronavírus.

De acordo com o coordenador de Planejamento e Gestão Ambiental do Departamento do Verde e Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura de Campinas, Geraldo Ribeiro de Andrade Neto, a pandemia atrasou o cronograma de instalação.

“O projeto é contínuo e visa à universalização do tratamento de esgoto nas áreas rurais de Campinas, onde já há mais proprietários rurais interessados na FSB”, afirma o coordenador.

Iniciativa similar é conduzida em Aimorés (MG). Desde 2013, a Fossa Séptica Biodigestora integra o projeto de recuperação de nascentes do rio Capim, desenvolvido pelo Instituto Terra, com o apoio da companhia Vale.

Alicerçadas nos critérios de sustentabilidade, baixo custo, fácil aplicação e replicabilidade, o sistema de saneamento básico rural, com cerca de 12 mil unidades instaladas no país, em mais de 250 municípios brasileiros, se adaptou a diferentes realidades e rompeu barreiras em sua trajetória de 20 anos. Se antes o biofertilizante gerado pela tecnologia despertava desconfiança, atualmente é utilizado em pomares, cuja produção e venda ajudam a compor a renda da família.

Juntos pela igualdade

Um exemplo é a dona Raimunda Vieira, moradora do assentamento PA Aliança, em Porto Velho (RO). Antes, desconfiada em usar o adubo orgânico gerado pelo sistema de saneamento, resolveu adotá-lo na irrigação de pés de graviola.

“O adubo orgânico é muito bom. Nós usamos para adubar cerca de 50 pés de graviola, banana e citros que plantamos na chácara de 2.500 metros quadrados. Os pés de graviola que antes não produziam agora geram frutos que pesam até cinco quilos, depois de regadas com o biofertilizante”, conta.

Mas os ganhos sociais, econômicos e ambientais obtidos com a instalação da Fossa Séptica Biodigestora são ancorados pelo trabalho de muitas mãos.

Desenvolvida em 2001 pelo médico-veterinário da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), Antonio Pereira de Novaes, falecido em 2011, a Fossa Séptica Biodigestora ganhou grande visibilidade a partir da conquista do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social de 2003.

O reconhecimento refletiu na formação de uma rede de parceiros, projetos com instituições públicas, privadas e organizações do terceiro setor, além da contribuição para políticas públicas como o Minha Casa Minha Vida Rural, Programa Saneamento Brasil Rural e Marco Legal do Saneamento e participação da Embrapa Instrumentação no Conselho Interministerial de Saneamento Básico (CISB).

            Embora tenha conquistados avanços, o Brasil ainda está longe de vencer os desafios para a universalização do saneamento. São cerca de 31,2 milhões de habitantes morando na área rural e comunidades isoladas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – PNAD 2015). Deste total, 3,2 milhões não possuem banheiro, defecam ao ar livre.

A ausência de saneamento básico tem impacto na qualidade de vida, na saúde, na educação, no trabalho e no ambiente. Estudos mostram que a falta de saneamento básico e acesso à água de boa qualidade têm relação direta com o número de internações, devido a doenças como diarreia e hepatite.

“Esperamos que daqui a 20 anos, o Brasil atinja a universalização ou esteja muito próximo disso, tanto para a área rural como para a urbana e, que esses problemas de saúde pública oriundos da falta de saneamento, estejam completamente resolvidos. É preciso que se torne realidade em diferentes localidades do país”, diz o pesquisador Wilson Tadeu.

Químico, com mestrado e doutorado em Química Analítica, o pesquisador, além de dar continuidade aos trabalhos de Novaes, agregou valor a eles com o desenvolvimento do Jardim Filtrante, destinado ao tratamento das águas cinzas – pias, chuveiros e tanques.

Cidade institui Dia do Saneamento

Em São Carlos (SP), berço da tecnologia, são 61 unidades instaladas em propriedades rurais, assentamentos e áreas periurbanas, como chácaras. A cidade, adotada pelo médico-veterinário, instituiu em sua homenagem o Dia Municipal do Saneamento Básico, comemorado em 10 de julho (data de nascimento do inventor). 

            “Não conheço nada melhor para colocar nas plantas”, diz o assentado Sebastião da Frota Duque, que utiliza o biofertilizante para adubar citros e pés de banana.

Em 2019, a Prefeitura Municipal e a Embrapa Instrumentação chegaram a assinar um contrato de cooperação técnica para a implementação de unidades da Fossa Séptica Biodigestora, entre outras ações. A ação deveria impactar estrategicamente na redução do déficit sanitário na área rural do município, onde vivem 4% da população – um pouco mais de 10 mil habitantes.

Mas a pandemia do coronavírus atrasou o cronograma de instalação das unidades para tratamento de esgoto nos 1.065 km2 da área rural, ou seja, 94% da área do município de São Carlos. Assim como em Limeira e em Campinas, a tecnologia entraria em operação em Área de Preservação Permanente.

Modelo educação ambiental, o sítio São João, a 20 quilômetros de São Carlos, utiliza a Fossa Séptica Biodigestora desde 2004, adotando posteriormente as demais tecnologias do sistema de saneamento básico rural – Clorador Embrapa e Jardim Filtrante.

“No início, o biofertilizante ajudou a desenvolver mudas de árvores destinadas ao reflorestamento da propriedade, mas agora utilizamos em pomares de citros e, mais recentemente em pés de maracujá, uma variedade da Embrapa”, diz o produtor rural Flávio Marchesin.

Modelo segue biodigestores

A montagem da tecnologia é feita com caixas de fibra de vidro, tubos, conexões, válvulas e registros. A tubulação do vaso sanitário é desviada para caixas de fibra de vidro, nas quais os coliformes fecais do esgoto doméstico são transformados em adubo orgânico, pelo processo de biodigestão, com a adição de uma mistura de 10 litros de esterco bovino fresco e 10 de água.

Esse sistema, com três caixas, atende uma família de cinco pessoas.   As caixas devem ficar enterradas no solo para que o sistema tenha um isolamento térmico e, assim, não ocorram grandes variações de temperatura.