
O episódio que levou representantes do movimento negro a ocuparem o plenário da Câmara Municipal de São Carlos expõe mais do que uma polêmica pontual: revela o quanto o país ainda precisa amadurecer no debate sobre racismo, liberdade de expressão e responsabilidade pública. O confronto de ideias entre o vereador Moisés Lazarine (PL) e integrantes do movimento UNEGRO mostra duas visões de mundo que, embora opostas, dialogam com dilemas profundos da sociedade brasileira.
De um lado, os manifestantes que foram à Câmara cobram algo básico (e que todos as pessoas deveriam respeitar e defender, sem que essas valorosas pessoas precisassem se esforçar a todo momento para lembra a sociedade desta situação)— respeito e responsabilidade com as palavras, especialmente quando elas partem de um representante eleito. A militante Thulany Leite e o ativista Flávio Eduardo Felipe Júnior expressaram um sentimento coletivo: a de que falas públicas que minimizam ou relativizam a questão racial reforçam desigualdades históricas. Para eles, não se trata de censurar ninguém, mas de exigir que o discurso político não reproduza preconceitos, conscientes ou não. A mobilização pacífica e a entrega de um requerimento à Mesa Diretora mostram a maturidade de um movimento que busca, por meios institucionais, o reconhecimento e a reparação simbólica de ofensas percebidas.
Do outro lado, o vereador Moisés Lazarine afirma ser vítima de distorção e politização do debate. Segundo ele, suas palavras foram tiradas de contexto e usadas para construir uma narrativa de ataque. Sua defesa se apoia na ideia de que a luta contra o racismo deve unir, não dividir — e que reduzir o problema a uma disputa ideológica fragiliza causas legítimas. Lazarine também resgata sua trajetória de atuação social para reforçar que não tem histórico de preconceito e que sua crítica foi direcionada à criminalidade, não à cor da pele.
O impasse, contudo, revela algo maior: o quanto a fronteira entre liberdade de expressão e responsabilidade pelo discurso é tênue, sobretudo na esfera pública. Um vereador tem o direito de se posicionar, mas também o dever de compreender o peso de suas palavras — ainda mais num país onde o racismo estrutural é uma realidade documentada, e não apenas uma opinião. Da mesma forma, movimentos sociais têm o direito e o dever de cobrar coerência e ética dos representantes do povo, sem que isso se torne uma ferramenta de perseguição política.
No fim das contas, o que São Carlos testemunha não é apenas um embate entre um político e um coletivo — é um espelho das tensões nacionais entre diferentes leituras da mesma ferida histórica. Cabe agora à Câmara conduzir o caso com serenidade, ouvindo ambos os lados e, acima de tudo, reafirmando o compromisso do Legislativo com o diálogo, o respeito e a igualdade. O racismo tem que ser combatido diariamente, 24 horas por dia, por pessoas de qualquer ideologia política. A Câmara recebeu seu recado, que eles entendam o que foi dito.









