O cinema é mais rápido, mas só é arte porque é literário

Por Glauco Keller Villas Boas

Um hábito que guardo como professor é indicar, no canto direito da lousa, diariamente, um filme que considero essencial para meus alunos. Clássico, moderno, animação, latino-americano ou inglês, sempre haverá uma indicação pra quem quiser mergulhar no universo das películas. Por isso, adorei o tema da redação do ENEM 2019. Não pelo tema em si, em especial vindo de um governo que possui uma relação de censura e obscurantismo com a arte, mas porque esse deu a oportunidade do aluno aprender durante a prova e perceber o quanto o cinema precisa ser democratizado em seu acesso às telas, seja cultural, geográfica ou financeiramente.

E um dos aspectos que mais me surpreende no cinema é a sua rapidez. Enquanto a narrativa literária demorou milênios em sua evolução até chegar aos gêneros textuais diversos que, hoje, conhecemos, em sua viagem desde Homero a J.K. Rowling, o cinema migrou rapidamente de uma simples possibilidade de captação de imagem no final do século XIX para uma complexa arte narrativa já em meados do século XX. Diversos gêneros, roteiros, efeitos visuais, estilos narrativos, cores, formas de dirigir e de atuar fizeram com que o cinema, rapidamente, recebesse o título de sétima arte.

E são muitos os encantamentos que atraem meus olhos para a tela, mas, ironicamente, talvez por ser da área de linguagens, algumas falas de certos personagens me fizeram e fazem admirar ainda mais o cinema. Nelas, sinto a narrativa cinematográfica se tornar mais literária do que nunca.

O olhar de Uma Thurman ao interpretar Mia Wallace no magnífico Pulp Fiction de Quentin Tarantino já seria suficiente para o filme ser apreciado, mas foi sua confissão a Vincent Vega, John Travolta, de que “você sabe que encontrou alguém especial quando consegue estar ao lado dessa pessoa em um silêncio confortável” me fez revisitar os livros para tentar justificar o injustificável: o ser humano precisa se comunicar para se sentir bem. Elevadores silenciosos junto de estranhos continuarão a soar terríveis.

Espetacular atuação em Pulp Fiction

Da saga Star Wars recordo-me da clássica fala de Padmé, personagem de Nathalie Portman, quando, frente ao início de uma ditadura imperial na galáxia, expôs sua percepção daquele momento político ao dizer…“então é assim que a democracia acaba, com um fervoroso aplauso”. Como brasileiro, senti, mais uma vez, em 2016, o cinema dialogar com a vida, no golpe parlamentar que culminou no impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.

Mais recentemente, ao assistir ao brasileiro “O filme da minha vida”, de Selton Mello, voltei-me ao Ócio Criativo, do sociólogo italiano, Domenico de Masi ao ouvir estupefato a fala da personagem Luna, vivida por Bruna Linzmeyer, “Gosto de imaginar. Não vejo a hora de entrar em férias para ter tempo de imaginar.” Como educador, dessa vez, fui confrontado com os males que a escola pode gerar naqueles que deveria ajudar. Mea culpa, mea maxima culpa! Relembrei-me que, até a escola fora abarcada pela necessidade veemente do capital que nos obriga a produzir, ainda que seja criação, e no ócio, para valorar a vida pelos olhos do mercado e do capital.

Para onde a linguagem cinematográfica nos levará daqui a diante, ainda me é um mistério. Se visualmente revisitaremos antigas formas de narrar como a literatura sempre faz, mergulhando, novamente, no expressionismo alemão ou no cinema Noir francês, ou se caminharemos para as interatividades oriundas da terceira dimensão e dos videogames, não dá para afirmar. O fato é que a narrativa literária seguirá sendo o ponto nevrálgico que continuará a dar ao cinema status de arte, afinal, o clássico moderno Titanic, de James Cameron, já nos mostrou que não é a história que importa, mas sim como ela é contada.

  • O autor é professor e apresenta os Programas Alternativa A e Onda Esportiva.

ALTERNATIVA A

ONDA ESPORTIVA