
Há uma sombra que caminha ao nosso lado, silenciosa e insistente. Não tem rosto, embora o reconheçamos em gestos alheios; não tem forma, mas sentimos seu peso. O mal não grita, ele sussurra, como quem convence o rio a mudar de curso ou o vento a varrer as folhas de onde estavam tão bem dispostas.
Na esquina de um dia comum, ele nos observa. Esconde-se nos pequenos desvios de conduta que justificamos: o atalho tomado para economizar tempo, a promessa não cumprida porque o dia foi longo, a mentira inofensiva que alivia um instante desconfortável. Ele nos conhece melhor do que gostaríamos, pois vive de nossas brechas, das falhas minúsculas que acumulamos sem perceber.
Mas o mal não vive só na esquina. Ele está no trânsito, na buzina insistente que reclama antes do sinal abrir. Está no olhar indiferente diante de quem pede ajuda e no dedo que aponta sem conhecer a história. É, muitas vezes, o silêncio quando deveríamos falar, ou a fala quando o silêncio seria redenção.
Não há exagero em dizer que o mal é mestre na arte de se disfarçar. Ele se veste de justiça, ainda que seus pés sujem de sangue o caminho. Transforma-se em preocupação, enquanto afunda a alma em angústia. Ele seduz com promessas de poder, mas exige como pagamento aquilo que temos de mais puro.
E nós? Nós o ignoramos, como se o mundo fosse preto no branco, como se o mal estivesse lá fora, nos outros, nunca em nós. É mais fácil acreditar que somos vítimas, alvos de um inimigo externo, do que admitir que, às vezes, somos os próprios algozes.
Há dias em que essa sombra pesa mais. Em tragédias que estampam manchetes ou em sussurros de violência que atravessam as paredes finas de vizinhos. Contudo, é nos atos cotidianos, na escolha de quem somos enquanto ninguém vê, que lutamos contra ele.
O mal nos espreita, mas talvez — e só talvez — ele tenha medo. Medo da empatia que desarma suas intenções, da bondade que ilumina seus esconderijos. Medo do perdão, que quebra correntes antes inquebráveis.
Se o mal nos observa, que seja para testemunhar nossa resistência. Que veja, em cada passo, a coragem de não ser como ele quer. Afinal, onde há luz, ele nunca encontra descanso.









