O Vampiro que ataca na Marginal

Naquela manhã abafada de terça-feira, São Carlos ainda despertava sob um céu leitoso, quando uma notícia esquisita atravessou o rádio da viatura da polícia como uma punhalada: o hemocentro havia sido roubado. Não era dinheiro, nem equipamentos. O alvo? Bolsas de sangue. Todas. Cerca de cinquenta.

Não houve alarme disparado. Nenhum vidro quebrado. Era como se o ladrão tivesse evaporado pelas frestas da lógica.

Horas depois, um ciclista que pedalava pela Francisco Pereira Lopes — a famosa Marginal — tropeçou em algo mole, pegajoso e levemente morno perto da beira do rio. Eram bolsas de sangue. Estouradas. Mordidas. Gotas vermelhas escorriam pela calçada como se ali tivesse ocorrido um banquete macabro.

Chamaram quem? Claro, ele mesmo: delegado Antunes.

Antunes era um homem de bigode torto, olhar encardido de experiências impossíveis e um caderno de capa dura onde anotava coisas que preferia esquecer. Quando chegou à cena, olhou para as bolsas mastigadas como quem observa um quadro do Salvador Dalí tentando conversar com um episódio de “Arquivo X”.

— Isso aqui… isso aqui não é crime comum — disse, acendendo um cigarro imaginário (havia parado há 17 anos, mas o vício ainda fazia mímica no ar).

Ele farejou algo além da carne, algo entre o teatro do absurdo e o delírio químico. Nas margens do córrego do Monjolinho, havia pegadas descalças… e uma carta. Escrita com sangue (ou ketchup?) e assinada:

“Do conde V.”

Começava aí a caçada por aquele que se dizia vampiro, mas que só era mais um sádico querendo fama. Antunes seguiu as pistas: pedaços de alho pisoteados no Jardim Hikare, cruzes quebradas em um cemitério de gatos e uma estaca enfiada num poste de luz com um bilhete:

“Aqui não pegam o Conde V.”

O delegado, entre uma metáfora e outra, rastreou o sujeito até uma quitinete no Santa Felícia. Lá, encontrou um homem magro, pálido, com capa de veludo e presas de plástico compradas num sex shop alternativo. No quarto, paredes pintadas com respingos vermelhos, geladeira cheia de bolsas de sangue… todas vencidas.

O homem se chamava Valdeci, mas exigia ser chamado de “Vladmir, o Despertado”. Tinha um canal no YouTube com 42 inscritos onde ensinava “rituais noturnos” e comentava cenas de Drácula de Bram Stoker com sotaque romeno fake.

Ao ser preso, disse com um olhar ensandecido:

— Eu só queria… ser eterno. Ou, pelo menos, viralizar.

Antunes não sabia se dava risada ou um tapa. Mas anotou tudo em seu caderno com letra miúda:

“A loucura às vezes veste capa, morde bolsas de sangue e passeia pela cidade como quem vai ao mercado.”

A comunidade ficou em choque. Pais taparam os ouvidos dos filhos. Padres fizeram missa. Psicólogos pediram mais verba. E a Marginal, por um tempo, cheirou a ferrugem e absurdo.

Quanto a Antunes? Voltou para seu escritório, abriu uma gaveta, pegou uma fita cassete e colocou para tocar.

Era Bach. Mas, se você escutasse bem, poderia jurar que era um chiado de morcegos.

Aviso ao leitor:

Este é um conto de ficção surrealista. Todos os eventos, personagens e lugares descritos são frutos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Nada do que está aqui relatado aconteceu de verdade. Trata-se de uma criação literária com fins exclusivamente artísticos e de entretenimento.