O desembargador do Tribunal de Justiça de SP, Rebouças de Carvalho, negou pedido da Secretária de Saúde de São Carlos para a suspensão de ata notarial* do celular apreendido em 3 de agosto de 2022 durante depoimento da mesma à Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga supostas irregularidades que poderiam ter sido cometidas por membros do Alto Escalão da Prefeitura no caso da Entulheira do Cidade Aracy. Escreveu o desembargador: “Da análise dos documentos que acompanham os autos principais, não se verifica a presença de prova cabal do direito invocado, mormente porque, como se infere da Ata lavrada em 03 de agosto de 2022 (fls. 30/32, a entrega do celular e do chip corporativos utilizados pela impetrante se deu de forma espontânea e voluntária por parte da recorrente, razão pela qual INDEFIRO a antecipação da tutela recursal. Dispenso as informações da mmª juíza da causa e resposta do agravado”.
Jôra Porfírio entrou com um agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal para “determinar a imediata suspensão da lavratura de ata notarial do celular apreendido, e caso já tenha sido lavrado comunique o cartório para manter em sigilo as informações lá contidas, assim como, a proibição de divulgação de seu conteúdo, sob pena de multa diária de R$ 10 mil reais”. Entretanto, a decisão não acatou suas argumentações.
No pedido, a Secretaria, segundo Rebouças de Carvalho afirmou: “Sustenta a agravante, em apertada síntese, que exerce, interinamente, as atribuições do cargo de Secretária Municipal de Saúde. Alega a presença dos requisitos necessários ao deferimento da liminar, pois, foi convocada para depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito/Processo nº 2834/2022, ocasião em que foi coagida a entregar ao Presidente da Comissão o celular e o chip corporativos que utilizava. Aduz que, não obstante o teor do documento de registro da solenidade apontar que houve a entrega voluntária do aparelho, o vídeo do depoimento claramente demonstra a situação desconfortável e humilhante a qual a agravante foi submetida, sendo evidente o abuso de poder da Comissão durante sua atuação. Afirma que embora o aparelho e o chip apreendidos sejam os corporativos, a agravante utilizava o chip corporativo em seu telefone pessoal, razão pela qual seu e-mail pessoal estava vinculado ao chip corporativo. Postula a antecipação da tutela recursal e o posterior provimento do recurso, com a concessão da liminar”.
Ao que consta, há possibilidade de se recorrer da decisão em outra instância.
* A ata notarial é um instrumento público no qual o tabelião documenta, de forma imparcial, um fato, uma situação ou uma circunstância presenciada por ele, perpetuando-os no tempo. A ata notarial tem eficácia probatória, presumindo-se verdadeiros os fatos nela contidos.
Relembrando o caso
Em matéria publicada no dia 22 de agosto o São Carlos em Rede mostrou que a juíza da Vara da Fazenda Pública, Gabriella Muller Carioba Attanasio, indeferiu pedido de liminar impetrado pela Secretária de Saúde, Jôra Porfírio para a devolução do celular corporativo apreendido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura eventuais irregularidades cometidas por membros do Alto Escalão da Prefeitura Municipal no caso da licitação da Entulheira do Cidade Aracy. O pedido da Secretária foi impetrado contra o presidente da Câmara, Roselei Françoso, Paraná Filho (Presidente da CPI), Lucão Fernandes e Professor Neusa, membros da comissão.
Segundo a peça emitida pela justiça, a Secretária narra que em 03/08/2022, às 9 horas, foi ouvida, na condição de testemunha, perante à Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI nº. 2834/2022 (CPI da Entulheira). “Esclarece que é Secretária Municipal de Saúde e que, muito embora jamais tenha participado da secretaria que deu origem à licitação investigada, e não tenha exercido nenhuma função naquela pasta, colocou-se à disposição da casa legislativa para prestar depoimento. Narra que, desde o início do depoimento, o relator da CPI, vereador Paraná Filho, teve uma postura intimidatória, tendo sido ameaçada de prisão, bem como de ter decretada a busca e apreensão do celular corporativo utilizado por ela. Afirma que, diante das ameaças, não houve outra alternativa senão entregar o aparelho celular corporativo. Ressalta que, embora o celular apreendido fosse corporativo, encontra-se vinculado em referido aparelho telefônico seu e-mail pessoal, onde constam diversas informações de cunho pessoal, que não se relacionam ao exercício de sua função, as quais hoje já foram acessadas pelos impetrados”, afirma o relatório da decisão proferida pela juíza são-carlense.
O relatório da juíza segue: “Aduz que, apesar de ter constado no termo de audiência que o aparelho foi entregue de forma espontânea, tal fato não é verdadeiro, conforme gravação disponibilizada no canal da Câmara Municipal de São Carlos no You Tube. Alega que a busca e apreensão em comento foi realizada em contrariedade à legislação pertinente, haja vista que determinada durante o depoimento da testemunha, por decisão singular do presidente da CPI, bem como desprovida de qualquer fundamento. Sustenta, dessa forma, violação ao artigo 99 do Regimento Interno da Câmara Municipal, que condiciona a pratica de atos e diligências como apreensão de celular institucional, à deliberação em reunião, dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Em seus pedidos a Secretária, “requer(ia) a concessão de medida liminar para determinar a imediata suspensão da lavratura de ata notarial do celular apreendido, e caso já tenha sido lavrado comunique o cartório para manter em sigilo as informações lá contidas, assim como, a proibição de divulgação de seu conteúdo, sob pena de multa diária de R$ 10 mil reais”. E prossegue: “Ao final, requer seja reconhecida a nulidade do ato praticado pela Comissão Parlamentar de Inquérito que determinou a apreensão do seu celular, bem como seja determinada a imediata restituição do aparelho, com a invalidação das provas e destruição das informações por eles obtidas, até o momento em que tiveram com o aparelho em suas mãos.
Segundo a juíza Gabriella Muller Carioba Attanasio a inicial foi instruída com documentos.
Decisão
A juíza da Vara da Fazenda Pública de São Carlos (1ª instância) negou a liminar e assim fundamentou sua decisão: “Feita a análise permitida neste início de conhecimento, não se verifica presentes os requisitos para a concessão da liminar. O art. 7º, III da Lei nº 12.016/09 exige, para a concessão da liminar, os seguintes requisitos: a) fundamento relevante na impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida – facultada a contracautela de caução, fiança ou depósito”.
E ela prossegue na decisão: “Quanto ao caso em exame, observa-se que, independentemente da relevância nos fundamentos da impetração, do ato impugnado não resulta a ineficácia da medida, caso concedida a segurança em sentença. O célere trâmite do mandado de segurança permite concluir que não há risco de perecimento em se aguardar, primeiramente, a oitiva da(s) autoridade(s) impetrada(s) por meio das informações, em prestígio ao contraditório, garantia constitucional (art. 5º, LV, CF) que não deve ser restringida a não ser em casos realmente necessários. Observe-se que, no rito da Lei nº 12.016/09, após as informações, o Ministério Público apresenta parecer e prolata-se de imediato a sentença (art. 12), sem outras etapas procedimentais. E, se concedida a segurança, eventual apelação não terá efeito suspensivo (art. 14, § 3º, Lei nº 12.016/09). Anote-se, ademais, que, de acordo com a audiência realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, houve a entrega espontânea do aparelho celular corporativo pela impetrante, não se podendo afirmar, na atual fase cognitiva sumária, ter sido ela coagida a entregá-lo às autoridades apontadas como coatoras. Ante o exposto, indefiro a liminar”.