Vídeo 21 na memória e no coração

Por Glauco Keller Villas Boas

 

O tempo passa para todos. Isso não é novidade. A novidade talvez seja a percepção de que o tempo passa pra gente também. E mais novidade ainda é descobrir que só nos vemos velhos pelos olhos dos outros. Quando um jovem se levanta no ônibus para que nos sentemos ou quando somos chamados de “senhor”, em uma festa juvenil. Aí, cai a ficha – pra usar uma expressão bem jovem e identificada os meus mais de quarenta.

Nossas memórias emocionais são as mais importantes. Os fatos que nos emocionam para o bem ou para o mal ficam gravados feito ferro quente na pele ou feito uma tatuagem. Tornam-se difíceis de se esquecer.

Minha juventude começou a acabar quando a Vídeo 21 fechou. Obviamente, que eu não era mais adolescente quando o fato ocorreu, mas o ato pueril de ir buscar três ou quatro DVDs (antes fitas VHS) na sexta ou no sábado pra devolver na segunda, marcou minha adolescência. No último ano, levava, orgulhoso meus dois filhos que, conheceram o poder do cinema, dentro daquela Vídeo Locadora.

A Vídeo 21, ao longo dos tempos, tornou-se a melhor Vídeo Locadora da região, contando com um acervo que ia desde os cinemas asiático, iraniano, europeu e latino-americano, até os blockbusters que faziam a alegria da maioria dos fregueses. Os lançamentos chegavam lá antes.

Ligávamos pra reservar os DVDs, em seguida, íamos até a Vídeo 21, onde encontrávamos amigos e conhecidos e trocávamos informações sobre os filmes. Éramos carinhosamente recebidos pelos proprietários Silvio e Carla, pelo Samuel, pelo Carlão que sempre bradava…”Glauco Killer”, pela Ana Paula, pelo Bill Moreira entre outros. Não me canso de lembrar.

Quando soube que a Vídeo 21 ia fechar e estava vendendo o acervo completo fiquei pasmado. Fui imediatamente até lá e perguntei à Carla sobre o Silvio.

Oi, Carla, o Silvio está por aí?”

Está lá embaixo, professor”, falou, referindo-se ao escritório da empresa.

Vou descer, tá”, falei, sem muita cerimônia. A intimidade e a amizade – antes eu havia sido professor de inglês de ambos -, falavam mais alto.

Entrei no escritório, que vivia repleto de cartazes que não mais eram utilizados, papéis e mídias recolhidas e olhei pro Silvio.

“Nem fala nada que eu vou começar a chorar”, ele disse.

Obviamente, não resisti e falei de tudo o que ele tinha feito pela sétima arte da cidade de São Carlos. Das histórias, dos filmes, das emoções e da amizade. Aos prantos, Silvio me confidenciou que estava fechando as portas, porque não tinha mais produtos a oferecer aos seus clientes, algo que para mim era um paradoxo completo, pois uma empresa qualificada como a Vídeo 21 e que tinha clientela, ficava, por conta das novas tecnologias, sem condição de atuar.

O streaming, tecnologia que se difere do download por permitir que o espectador assista a um vídeo ou ouça um áudio sem ter de baixá-lo ou enquanto o está baixando era, já em meados da segunda década do século XXI, a menina dos olhos das grandes produtoras.

Assim, os lançamentos dos novos filmes já não mais saiam em DVD ou Blu-Ray e as mídias físicas, produto primário das Vídeo Locadoras deixavam, a priori, de existir.

Infelizmente, o modelo comercial brasileiro inibe a convivência de produtos semelhantes e que ainda tenham público. Os custos, creio, fizeram com que as produtoras abrissem mão das mídias não virtuais. Os vinis desapareceram – restando no começo dos anos 2000 apenas uma fábrica no Rio de Janeiro – e, ironicamente, hoje, voltam com força e preço maiores, atendendo a um nicho específico de mercado. Talvez,  quem sabe, as mídias físicas de áudio e vídeo em formato de CDs ou DVDs não encontrem, também, seu espaço aqui e acolá.

Dei um abraço no Silvio e mais uma vez o agradeci. Conversamos outras vezes sobre sua banda favorita, o Led Zeppelin e sobre o seu Palmeiras, mas, nunca mais foi como antes. Ao ver a Vídeo 21 fechada, fechou-se, também, uma etapa de minha vida. Claro, cedi ao Netflix, ao Spotfy e aos streamings on demand, mas guardei as idas à velha Vídeo Locadora, lá da Rua Marechal, numa parte especial da memória e do coração.

 

 

 

  • O autor é professor e apresenta os Programas Alternativa A e Onda Esportiva.

ALTERNATIVA A

ONDA ESPORTIVA